quarta-feira, 30 de maio de 2018

Aproveitando a escalada

Faço terapia há cinco anos. Às vezes nem parece que faz todo esse tempo que eu tiro uma hora, das cento e sessenta e oito que uma semana tem, para ter um olhar cuidadoso sobre mim mesma. Matematicamente falando, isso não é lá “grande coisa”, mas tem feito um diferencial considerável na minha vida.

Durante todo esse tempo eu passei por diversos altos e baixos. Não apenas porque é realmente complicado esse processo de estar em terapia, reconhecer seus gatilhos ou ainda perceber que algo lá atrás é o responsável pelo seu comportamento atual, mas também porque é assim a caminhada da nossa vida. Durante o percurso que é estar vivo, ou sobreviver, dependendo da ótica, temos momentos de escaladas seguidos de caminhadas rumo ao cume com tranquilidade, bem como descidas íngremes em direção ao “vale das bads”.

Percebi que ao longo desses anos, sempre que eu pensava sobre aquele espaço, onde eu podia aprofundar mais e mais sobre quem eu sou, entender meus sentimentos e comportamentos - por vezes confusos -, sempre surgiam demandas carregadas de sentimentos ruins, “coisas que me incomodavam” durante a semana que se seguiu.

Não que isso seja um problema, afinal aquele lugar é um espaço de livre julgamento, onde a escuta ativa possibilita que o paciente encontre na sua própria fala elementos que ajudam a lidar com a situação. No entanto, fiquei condicionada a isso, a levar àquele espaço insatisfações. Sempre que acontecia uma coisa que me chateava durante a semana, eu já guardava aquilo para contar na terapia. Quando a semana não tinha nenhum problema digno de Casos de Família eu passava o caminho da ida, no ônibus, pensando sobre coisas que me incomodavam nas minhas relações ou o quanto eu me sentia confusa ou angustiada sobre algo, mesmo que não fosse aquilo que tirasse a minha quietude naquele momento.

Esse ano, ao dar início a mais um processo de análise comportamental, percebi que durante meus percursos de “descer a ladeira” eu estava compartilhando a rota somente com o terapeuta. Não vinha falando com meus amigos sobre minhas chateações, tanto por elas serem frequentes como por sentir que ninguém entendia realmente como eu me sentia, tendo apenas meu namorado no papel de ouvinte (o problema era quando a treta era com ele, pois não me restava saída a não ser esperar mais uma semana até a consulta psicológica, chegando a lidar sozinha com alguns conflitos durante os hiatos da clínica, torcendo para não acabar no “vale das bads”, afinal seria muito mais difícil sair de lá).

Tentando alterar esse comportamento, que não vinha trazendo benefícios, mas sem buscar mudanças que desrespeitassem a forma que eu me sentia quanto a escuta dos meus amigos, meu terapeuta me propôs a seguinte atividade: escrever. No primeiro momento eu deveria planejar conversas que eu gostaria de ter com pessoas com quem eu dividi situações que me incomodaram. Para esse planejamento eu tentei ser mais empática, comigo e com a pessoa, o que era desafiador, afinal eu estava chateada.

Tracei os seguintes pontos: Como me sinto em relação ao causo; Motivos que legitimam minha chateação; Exercendo a empatia, onde eu tento ver o lado da pessoa na situação; Coisas que quero abordar na conversa e como fazer isso assertivamente e, por último, Como eu estava me sentindo antes do exercício, a fim de comparar como eu estava me sentindo antes da atividade e como me sinto ao concluí-la. Essa abordagem foi muito bacana, porque escrever libertou meus rancores e me ajudou a lidar de uma forma melhor com minha impulsividade, característica que atrasa meu filtro e prejudica minha assertividade.

Apesar do caderninho do Planejamento Psicológico, como eu denominei esse método terapêutico, eu continuei com uns incômodos pertinentes, então meu terapeuta (eu queira ser amiga dele) me sugeriu um diário. Isso rolou na mesma semana que a Jout Jout (também queria ser amiga dela) lançou um vídeo sobre ter um diário, que não necessariamente precisa ser uma atividade diária, mas que você escreve a livre demanda.

E assim nasceu meu diário. Para mim é uma experiência muito positiva, porque passei minha vida tendo agendas e gosto desses registros, mas também porque eu realmente me sinto melhor quando escrevo (chego a passar três horas escrevendo sem parar), foi por isso que criei esse blog, não é? Além disso, esse “diário-não-diário”, tira de mim a culpa de só escrever quando estou mal (não sei vocês, mas a bad é muito inspiradora para mim, os melhores textos que escrevi na vida foi quando eu estava triste ou chateada), quando eu estou feliz não sou tão produtiva nessa área. Também pesava o fato de eu estar sempre registrando meus momentos ruins, deixando parecer que minha vida era um apanhado de sofrimento. Isso acontecia porque quando havia dias bons eu estava feliz demais para registrá-los, então nada ou muito pouco sobre eles era escrito. Dessa forma, sem essa obrigação de historiar tudo, eu estava livre da culpa, que tanto me sufoca.

Passados diversos dias caminhando rumo ao vale, até encontrá-lo e ser engolida por ele, parecia até que eu tinha caído em uma cratera no vale, se e que isso era possível, e que eu era mais triste do que feliz. Nesse dia, em que eu chorei até ter dificuldade de formar frases, meu terapeuta me ajudou a refletir sobre a seguinte questão: a nossa vida é cheia de altos e baixos, de dias felizes e dias tristes. Até os dias felizes tem momentos tristes ou chatos e até mesmo dos dias tristes é possível colher algo de positivo. Nós não somos o problema, nós temos problemas, mas eles não nos definem.

Foi a partir dessa reflexão que eu me vi recomeçando os dias de escalada. Os últimos quinze dias, desde então, tem sido uma soma de dias bons. Dá até um medo, da queda a la vídeo cassetadas que o futuro prepara, mas não posso deixar de subir por conta disso, não é? Sei que é irresponsável dizer que isso foi o suficiente para que eu saísse do vale rumo ao cume. Uma série de fatores contribuiu para isso, como um olhar mais empático sobre quem me cerca; a tentativa de ser assertiva nas minhas relações, uma rede de apoio que fez eu querer enxergar o lado positivo da história e a leveza que cada dia de alegria traz.

Não vou mentir, tive dias de desânimo, dias que não acreditei na minha capacidade, dias que me sabotei... todas esses elementos que são protagonistas de dias ruins, entretanto, a cada vez que eu me sentia querendo descer essa montanha eu me obrigava a enxergar quais eram os elementos positivos que se escondiam nas pequenos cantos daquele caos. E não é que eu sempre encontrei?

Criar esse hábito, de procurar motivos para subir ao invés de descer a “montanha da vida” me possibilitou novas experiências nesses cinco anos de terapia. Semana passada foi a primeira vez que não chorei durante uma sessão e mais tarde, quando eu acordar e for para mais uma análise, eu não tenho faço ideia do que falar, porque aparentemente, eu consegui passar uma semana inteira sem ser uma pessoa triste, chateada, magoada ou conflituosa.

Com certeza esse não é o melhor texto que escrevi na vida, mas é um dos raros que escrevo estando feliz. Que essa seja o marco de uma escrita motivada pelo bem-estar e felicidade.

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